Em tempos tão intensos como o que estamos vivendo, para todos fica o questionamento: será que posso me fortalecer a ponto de não me infectar com esse tão temido vírus? Para quem tem filhos a preocupação se multiplica por dois, três… e surge a tão famosa questão que, desde sempre, é tão frequente nos consultórios de pediatria: como fortalecer a imunidade do meu filho?
Antes de tudo, vamos fazer uma breve reflexão sobre o sistema imunológico. Esse sistema é formado por tecidos, células, substâncias, que ajudarão o nosso organismo a combater agentes agressores a ele. Por agentes agressores, entendemos vírus, bactérias e até mesmo diversas outras substâncias, como, por exemplo, as substâncias que desencadeiam alergias. Quando a criança (ou adulto) é alérgica a picada de inseto, a leite ou a amendoim, isso significa dizer que, por algum motivo, por alguma tendência genética, por maior sensibilidade, aquela substância é vista pelo organismo como agressora, e o organismo individual entende que precisa se defender, gerando então toda uma cascata de eventos que levarão a desagradáveis sintomas.
Mas, retomando. Nosso corpo tem mais de uma estratégia de “defesa”, sendo que apresentamos dois tipos de imunidade, a inata e a adquirida. A imunidade inata diz respeito à primeira linha de defesa do indivíduo, não depende de estímulo anterior e não é específica, já estando presente ao nascimento. Ela é composta por barreiras físicas (como a própria pele), barreiras mecânicas (fluidos corporais, secreções, tosse), barreiras fisiológicas (como inflamação e febre, que não deixam de ser uma tentativa de reagir e “neutralizar” o agente agressor – retomando uma antiga discussão de que a febre pode não ser tão vilã assim), e barreiras celulares (células de defesa não específicas que “ingerem” microrganismos e agentes agressores numa tentativa de eliminá-los). Apesar de já nascermos com essa linha de defesa que é a imunidade inata, ela ainda é imatura no recém-nascido; como todo o resto de seu organismo, essas barreiras necessitam crescer e se desenvolver para serem realmente efetivas.
O outro componente do sistema imune é a imunidade adaptativa ou adquirida, a qual, como o próprio nome diz, será desenvolvida ao longo da vida do indivíduo. Ela é ativada pelo contato com agentes infecciosos e sua resposta à infecção aumenta a cada exposição sucessiva ao mesmo invasor. É composta por alguns tipos específicos de células e também pelas famosas substâncias conhecidas como anticorpos, os quais nada mais são do que moléculas que reconhecem os antígenos (qualquer partícula estranha ao corpo), neutralizam a infecção e eliminam esses antígenos por variados mecanismos efetores. A imunidade adaptativa se desenvolve de forma ativa, quando adquirimos uma doença e nosso corpo produz os anticorpos contra ela, ou de forma passiva, quando somos expostos a esses agentes de maneira mais controlada, por meio das vacinas.
Ao nascer, o bebê apresenta apenas os anticorpos que recebeu por passagem placentária pela mãe na vida fetal e início da vida neonatal. Ah, sim, o bebê também recebe anticorpos pelo leite materno! Daí mais um motivo da grande importância que damos a ele, porque por mais que fórmulas lácteas infantis sejam tão desenvolvidas, não conseguem se assimilar a essa maravilha da natureza que é o leite materno, com todos os seus benefícios.
Cada vez mais descobertas têm sido feitas sobre a imunidade, com destaque atual para a importância de órgãos como o intestino, no qual muitas células imunes estão alojadas e prontas para nos defender, além da presença de bactérias que atuam também nesse processo. Não é incrível?
Como já começamos a dizer aqui, então, todo esse sistema (maravilhoso por sinal!) somente estará completo na infância tardia, em torno dos 5 anos de idade. Essas células e tecidos irão progressivamente se desenvolver, os anticorpos serão produzidos conforme as infecções vierem ou conforme as vacinas forem feitas. Até lá, haja energia, paciência e coragem para lidar com isso! Porque não, não é fácil.
Mas então, o que fazer para proteger nossas crianças nessa idade em que são mais suscetíveis, ainda mais no contexto de uma pandemia mundial?
A palavra cabe bem: protegê-las. As medidas que devem ser tomadas caminham nesse sentido. A orientação que está vigente no momento atual, a de isolamento social, é uma que cabe muito bem para os pequenos. Na rotina do seguimento em pediatria, costumamos incentivar os pais a ficarem em casa com os seus bebês, evitando ao máximo sair de casa nos primeiros 3 meses de vida. Sim, parece muito, e talvez seja, mas é a medida mais efetiva nessa idade: evitar contato com vírus, bactérias e outros chamados antígenos, pois, como vimos, o bebê não tem defesa suficiente para se proteger por si só. Passando essa faixa etária, o cuidado com o contato com estranhos e saídas desnecessárias deve permanecer, ou seja, evitar locais com muitas aglomerações, como shoppings, supermercados, até mesmo cultos religiosos devem ser frequentados com cautela, pois a concentração de pessoas num único local promove também a concentração de agentes infecciosos, transmitidos por gotículas invisíveis no ar e nas pessoas.
Daí vem aquela fase: a creche/escolinha. E agora?? A chance de contaminação aumenta mesmo nesse momento. Nesse sentido, fica a sugestão: retardar ao máximo a entrada na creche. Sabemos que não é tão simples assim, que essa não é uma realidade compatível com a imensa maioria das pessoas na nossa sociedade, mas fica a sugestão para avaliar se pode ser uma possibilidade. Sendo possível, um momento bem interessante para iniciar a escolinha seria em torno dos 2 anos de idade, pois o calendário vacinal já está mais completo, com as defesas já fortalecidas, já tendo desenvolvido imunidade contra alguns agentes. Mesmo assim, o risco de infecção nesse momento também existe, e não é pequeno! Então, se prepare porque essas infecções vão ocorrer. E tudo bem, porque a maior parte delas é benigna e autolimitada, ou seja, logo se resolve. Mas, lembre-se de que uma criança saudável pode ter de 10 a 14 episódios de resfriados e afins em 1 ano!!! O que daria mais do que uma vez por ano ou até mais. Nesse momento, acalmar o coração e levar ao pediatra de confiança, pesando MUITO a necessidade do uso de antibióticos, os quais podem agredir a flora intestinal, entre outras coisas, e inclusive prejudicar a imunidade dos pequenos, deixando-os mais suscetíveis a outras infecções, virando aquele círculo vicioso (Lembra a importância do intestino na imunidade?).
Nesse processo, não descuidar de manter a vacinação em dia, pois por mais que surjam observações muitas vezes controversas contra as vacinas, elas são uma das maiores descobertas da humanidade, seguras e essenciais para nossa efetiva proteção, seguindo as recomendações dos órgãos responsáveis.
No mais, relembramos aquelas orientaçõesbásicas: ter uma alimentação saudável, rica em alimentos frescos, legumes, verduras e frutas, muitas frutas, especialmente as ricas em vitamina C; evitar os industrializados, com excesso de açúcares e gorduras ocultos; atividade física regular compatível com a idade da criança; sol e ar livre sempre que possível; muita hidratação com água, evitando líquidos açucarados; lavagem das mãos sempre, dos cuidadores e das próprias crianças; limpeza nasal frequente com soro fisiológico, evitando acúmulo de vírus e secreções que funcionem como meio de cultura para outros agentes. Simples, como sabemos. “Difícil é ser tão simples”. Mas é possível! Com cuidados, rotina e leveza, dentro das possibilidades, porque a vida real é muito mais.
“No fundo é simples ser feliz. Difícil é ser tão simples”. (O Teatro Mágico)
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