E se você enxergar na pandemia novas oportunidades?

Essa frase foi a mais falada durante o mês de março de 2020. Todas as redes que olhávamos, como num piscar de olhos, passaram a divulgar maneiras pelas quais o ser humano deve caminhar de forma plena na vida em família, sabendo que lá fora, o mundo estaria um caos!

Aos poucos, fomos descobrindo que famílias inteiras intensificaram sentimentos como medo, raiva, insegurança e nervosismo durante este momento de isolamento social mundial. E o que será que aconteceu?

O momento de novas oportunidades hoje pode ser trocado por um momento de enfrentamento da real vida que vivemos há tanto tempo, com seus sabores e dissabores todos intensificados em frequência e quantidade, e que não sabíamos. Até nisso estamos mais sensíveis. Já pensou?

Esta situação de confinamento pode trazer sentimento de solidão individualmente, mesmo estando em uma casa com 2 (dois) filhos, um companheiro(a) e 3 (três) cachorros. Porque se formos realmente pensar, uma coisa é estarmos nesta família e sairmos para trabalhar, termos encontros com demais familiares, amigos, realizarmos nossa caminhada quando o horário dá certo; outra coisa, é estarmos nesta família e impositivamente, e sem aviso prévio, a sua mesa de jantar passa a ser o seu local de trabalho, o local em que suas crianças assistem aulas online, brincam nos jogos que gostam online, seu(sua) companheiro(a) é agora – dentre tantos papéis que ele(a) ocupava em sua vida – também seu(sua) colega de trabalho. Ah! Estávamos falando da mesa de jantar. Então, é nela que vocês também realizam suas refeições. Ufa!

E não me esqueci dos cachorros, que parecem ainda mais animados com tanto carinho, que se esqueceram de onde faziam suas necessidades básicas e resolveram também mudar! Ah! Tem a limpeza da casa. Ops! Vamos parar?

Pois é, caro leitor, a situação estimula sentimentos de estranheza, mas não deveria. Explico: estamos em junho, o tempo passou, as coisas mudaram, andaram e melhoraram. É extremamente bom lembrar que isso acontece, não a pandemia, óbvio, mas a maneira que o tempo se encarrega de colocar tudo no eixo e o ajuste que nós realizamos frente às dificuldades que encontramos. O importante é não paralisar.

Nesse mundo, o contato consigo é estimulado. No entanto, eram tantas atribuições que até para esse contato tínhamos hora marcada. Há pessoas dentro de casa que estão com a sensação de que o mundo vai acabar. Elas estão se sentindo desamparadas e até que ficarão sozinhas para sempre, que nunca mais terão um churrasco em família para as crianças brincarem no gramado e cansarem-se para dormirem ainda no caminho de retorno para a casa; ou então, um barzinho para sair com o marido ou a esposa depois de um dia de intenso trabalho e longe das crianças. Talvez pensem que o mundo não vai voltar mais ao normal, e elas não estão erradas. Olham para a própria casa e ela parece uma casa vazia, ainda que tão cheia.

E digo, as coisas poderiam ser diferentes se as pessoas, que talvez estejam se sentindo assim, pudessem se ver de dentro como elas são percebidas de fora: gente bonita, solta, multitarefas… O fato de ter entrado em contato com aqueles sentimentos não tão bons, não pode tornar as suas vidas menos interessantes. Ter somente a mesa da sala em casa para realizar todas as tarefas de todos aqueles que moram com você não é vergonha para ninguém. Pelo contrário, em todo contexto familiar existe um mistério, e em todo sentimento existe uma porta para que aquela tal oportunidade, tão falada em março, possa ser aberta.

Quem ainda não experimentou essas novas sensações até o presente momento pode começar uma aventura em sua própria casa hoje; pode levar os filhos para a cozinha e ensiná-los a fazer aquele bolo que você também não sabe, mas juntos vão olhar no Youtube; podem fazer uma viagem no tempo, mexendo em fotos antigas e contando a sua própria história aos que mais você ama nesta vida; pode simplesmente tomar um copo de água bem gelada com seu companheiro e perceber que o barzinho do final de semana é menos importante que tê-lo ao seu lado para dividir também suas angústias. Esteja aberto(a) a todos os encontros neste espaço que parece tão pequeno agora, mas que você entenderá que é o seu melhor lugar no mundo.

Eu sou defensora apaixonada da vida em família, mas compreendo que esta nova situação mundial nos fez ter contato com sentimentos que nem saberíamos descrever. Vejo muitos casais se separando – as intensidades daquilo que já estava acontecendo foram afloradas para eles também e a solidão ali será vivenciada de outra maneira.

Portanto, temos uma única certeza: voltar ao normal talvez demore um pouco mais. E DAÍ?

A gente sempre soube que os caminhos que trilhávamos ficariam mais sérios com a passagem do tempo, mas sabemos que isso não significa que as possibilidades se encerram ou ainda que as novidades acabam. Simplesmente significa que as coisas vão acontecer de outra forma, mas permanecerão acontecendo da maneira mais intensa, profunda, caótica e, sim, transformadora possível – desde que você não feche as portas que o(a) ligam ao mundo. 

Este é o nosso mundo e todos nós estamos vivendo nele assim. Tenha a certeza de que é na conversa com aqueles que você ama que você também encontrará as suas novas oportunidades.

Sigamos!

Dra. Carol Gregorutti
Dra. Carol Gregorutti
Terapeuta Ocupacional (CREFITO 11/13221-TO) em Brasília-DF realiza atendimento clínico particular na infância; 
Especialização em problemáticas neurológicas na Terapia Ocupacional (FAMESP/SP); 
Habilitada no Tratamento Neuroevolutivo Bobath (ABDAN);
Mestre e Doutora em Educação Especial UNESP/SP – com ênfase na família da criança com deficiência.
Co-fundadora do Café Inclusão – @cafeinclusao.
Membro integrante e pesquisadora do Grupo de Pesquisa CNPq Diferença, Desvio e Estigma – UNESP/SP.

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