Vida, rotina de trabalho, casa… Era isso que eu fazia todos os dias, até que no dia 07 de abril minha mãe passou a sentir sintomas leves de gripe. Médico, exames… O resultado chegou: POSITIVO; ela estava com Covid-19.
Ansiedade, preocupação, indignação, corrida contra o tempo, busca por leito, por dignidade!
Sedação, intubação, palavras novas no vocabulário, trazendo nova rotina, expectativas, mais ansiedade. Até que no dia 20 de abril, toca um telefone fora do horário combinado e a confirmação do falecimento.
Poderia ser uma vírgula, um ponto e vírgula, mas foi um PONTO FINAL. Luto.
Dor e medo somados a mais três testes positivos — irmãs e cunhado. Nova rotina, nova luta contra o tempo, contra o vírus, contra um sistema despreparado que segue a impor a morte, contra um vírus que já tem vacina, mas que a minha mãe e mais de 400 mil brasileiros não tiveram acesso.
Tristeza, sofrimento, indignação, ansiedade, saudade!
Em meio a outras adaptações diárias, recebo o meu resultado: NEGATIVO. E com o tratamento dos sintomas, o NEGATIVO aguardado dos demais familiares.
Saudade, saudade… SAUDADE!
Com poucas palavras estou tentando descrever o que se passou em minha vida no mês de abril; um mês que foi marcado por fortes emoções, e que sem sombra de dúvidas jamais será esquecido. Um mês que senti na pele o que acontece com vítimas da Covid-19, desde aquelas que tiveram sintomas leves, passando por aquelas que tiveram sintomas moderados, curando com poucas sequelas, até aquela que, com pesar, não sobreviveu.
Como alguém que vivia a pandemia do “lado de fora”, tudo parecia muito irreal. Sinceramente falando, a partir do momento que eu me vi vivenciando tudo aquilo foi que eu senti que não é apenas muito real, mas cruel, desumano e desolador.
Foi como se eu estivesse em um campo de guerra, literalmente, sepultando às 13h da tarde e retomando ao hospital pela vida da minha irmã às 15h da mesma tarde. Acredito que ainda teremos pessoas que não compreenderão o que de fato ocorre dentro de cada hospital, cada ambulância, cada cemitério… Pessoas que assim como eu não conseguiam dimensionar tudo isso. E, de fato, espero que você não precise passar por nada disso!
É uma luta política, uma luta contra um sistema, contra o tempo, contra o vírus.
Nesse processo, muitas pessoas conseguiram piorar o que eu estava passando, isso mesmo, piorar. Pessoas invasivas, pessoas que buscavam indicar medicamentos sem a competência técnica necessária e até mesmo pessoas que através de determinadas esferas religiosas tentavam aumentar ou invalidar o sofrimento que nossa família estava passando.
Mas, não é sobre essas pessoas que vou comentar. Nesse relato, quero compartilhar as boas ações que me ajudaram, que me fortaleceram, acolheram e que talvez possam ajudá-lo, caso você esteja disposto e disponível para ajudar uma vítima da Covid-19.
Por isso, meus sentimentos a partir de agora são: tristeza, medo, conforto, ansiedade, consolo, saudade, acolhimento, AMOR!
Na era da tecnologia, falar com alguém é muito mais fácil, e isso faz com que muitas pessoas se sintam no direito de se aproximar — senti isso com relação ao número do meu whatsApp. Imagina você ter uma rotina de trabalho intensa e ainda receber uma avalanche de ligações e mensagens de pessoas que você às vezes nem conhece, enquanto precisa estar centrado para tomar uma decisão que vai mudar a história da sua vida?
Imagina depois de passar quase 17 horas seguidas na frente de um hospital, conseguir descansar e receber uma ligação às 3h, de uma pessoa que você não conhece, querendo receber notícias, uma pessoa que nem era próxima de sua família, um mero curioso que estava querendo notícias?
Pois bem, eu recebi essa e algumas outras dessa mesma forma!
Não é meu desejo dizer que as pessoas não têm boa intenção. Longe de mim! O que quero dizer é: TENHA BOM SENSO! Respeite os limites de quem está vivenciando esse processo. Não ligue. A vítima precisa descansar, pronar, precisa poupar energias, então seja assertivo na sua oferta de ajuda, busque o ponto de referência e pergunte uma vez: COMO POSSO AJUDAR?
Essa foi de longe a melhor oferta que recebi! Pessoas se colocando a minha disposição! Cada uma dentro do seu limite de fronteira, espaço, condições, com segurança.
E se ainda puder, especifique que tipo de ajuda você pode oferecer. POSSO ENTREGAR COMIDA! POSSO IR À FARMÁCIA! POSSO CONTRIBUIR FINANCEIRAMENTE! POSSO CONVERSAR COM VOCÊ SEMPRE QUE PRECISAR! POSSO ORAR (REZAR, ENVIAR ENERGIAS POSITIVAS ETC).
A oferta em excesso atrapalha, mas a ajuda na medida certa ABRAÇA, ACOLHE!
Esse tipo de ajuda me fez sentir AMADA e MAIS FORTE para continuar.
Os dias na UTI são longos, incertos, dolorosos para quem fica lá dentro e para quem está na expectativa, então não iluda! Jamais prometa a uma família uma cura que você não pode garantir. Você pode manter a pessoa confiante mediante a realidade dos fatos, para que ela não sofra ainda mais com um resultado inesperado, desolador.
Por fim, quero falar sobre o assunto mais difícil, o luto. Você pode não ter concordado com nada do que eu disse até agora, mas você concorda que esse é um assunto que a grande maioria não sabe lidar, não sabe como se portar e talvez, vamos continuar tentando em algumas gerações e não vamos conseguir lidar melhor com isso.
Vítimas de Covid-19 não podem ser veladas. Não há abraço. Não há despedida. Não há tempo. Não há possibilidades… Busque compreender isso. É difícil! Eu sei, eu sei… Mas, você que está de fora, pense em alternativas para ajudar nesse momento e não deixar ele mais pesado, mais triste.
Por isso, vou compartilhar algumas das mensagens que eu recebi que trouxeram acalento ao meu coração:
“Te amo tanto… estou o dia todo pensando em vc… mentalizando vc… Muita força amiga querida”
“Oi amiga, boa noite! Espero q seu dia tenha sido repleto de cuidado e amor. Permaneço 24 horas vibrando e orando por vcs! Te amo!”
“Oi amiga bom dia! Te amo e não paro de pensar em ti ??mande notícias quando puder!”
“Oi amiga querida, bom dia! Hoje aqui em Brasília abriu um sol grandão e eu lembrei do seu sorriso. Te amo!”
Mensagens como essas respeitaram meu momento e ainda me lembraram que posso continuar, que tem sol, que tem vida e que sempre haverá quem valide meus sentimentos, quem me ame e quem saiba como cuidar de mim. Mais uma vez, ESPERANÇA e AMOR!
Não consigo contabilizar todas as mensagens ruins, mas me recordo de cada um dos milhares que eu recebi dessa mesma forma e que infelizmente não compartilharei aqui. Alguns eu nem consegui responder, mas que eu sei o que senti quando vi.
Recebi frutas, flores, CARINHO e CONSOLO.
E acredito que é exatamente isso que precisamos: LUTAR PELOS NOSSOS DIREITOS, mas na mesma medida AMAR, ter empatia por aqueles que sofrem. De tudo isso, eu aprendi que MEDIDAS EXTREMAS EXIGEM AMOR AO EXTREMO!
Um amor respeitoso, zeloso, que acolhe e não julga, que ama, mas protege, que garante segurança e afeto.
Ademais, peço a mesma GENTILEZA a todos os profissionais que estão envolvidos nesse processo. Eu não chorei sozinha. Eu chorei com as enfermeiras, com os fisioterapeutas, com os médicos, com a terapeuta ocupacional,eu chorei com o segurança do hospital, com o motorista da ambulância, chorei com o psicólogo, com o coveiro… Nós choramos!
Por isso, eu peço: ACOLHA!
Em nome da minha família e especialmente da minha mãe, Maria Luzia, eu agradeço a verdadeira acolhida de todos!
Obrigada a você que leu até aqui. Espero profundamente que você possa ser abraço (virtual) que acolhe!
Obs. 1: se nada disso aconteceu com você ou com alguém próximo, mas você pode ajudar, busque instituições sérias e transparentes que podem indicar alternativas para doações. Não se esqueça que tem gente morrendo diariamente pela Covid-19, são famílias passando fome, vivenciando outras dores por falta de gestão pública, por falta de segurança… Não deixe de ajudar!
Obs. 2: alguém pode me lembrar de que mesmo vacinados alguns estão morrendo, por isso não se esqueça de manter o uso de máscara e o distanciamento social. E, na sua vez, vacine-se!
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Envie seu texto para Maewa Martina (maewamartina@brainacademy.net.br)
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