Hoje, enquanto escrevia este artigo, recebi duas tristes notícias de suicídio em um prazo de 30 minutos, sendo uma de um jovem de 27 anos e a outra de um senhor de meia idade, que lutava contra a depressão.
Pensar ou falar sobre morte e principalmente sobre suicídio parece ser tema proibido no dia a dia da sociedade. Muitos são os motivos desse silêncio, tais como: medo, preconceito, vergonha, falta de conhecimento, entre outros; isso em nada tem contribuído para a prevenção desse grande problema de saúde pública.
É alarmante e assustador saber que:
- São 800 mil mortes por suicídio por ano no mundo;
- A cada quatro segundos uma pessoa comete suicídio;
- No Brasil foram registrados 13.467 casos de suicídio em 2016;
- O suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos;
- Adolescentes entre 12 e 15 anos que sofrem bullyingna escola apresentam risco até três vezes maior de tentar o suicídio.
A nossa grande frustração como profissionais da saúde mental é saber que quase 100% das pessoas que tentaram suicídio ou se suicidaram sofriam com algum tipo de transtorno emocional psiquiátrico; transtornos que são tratáveis pela psiquiatria e psicologia.
O preconceito contra a doença mental, emocional e psiquiátrica ainda é uma realidade nos nossos dias. Pessoas se previnem de doenças físicas, fazem check ups, buscam médicos sem medo ao menor indício de desequilíbrio do corpo, mas quando se fala de doenças da mente ou psiquiátricas, impera uma resistência muito grande. Ouvir que “psicólogo é coisa de doido” ou que não aceita tomar remédio para a “cabeça” ainda é comum em pleno século XXI.
A primeira grande dificuldade é que esse paciente chegue ao profissional de saúde e depois, quando chega, uma parte do trabalho dentro do set psicológico é vencer os preconceitos em relação ao tratamento e a aceitação do transtorno, seja por parte do próprio paciente, da sua família ou até mesmo de outros profissionais da saúde. Tudo isso reflete uma forma inadequada e cheia de tabus de se lidar com a própria vida mental: pensamentos, emoções, sentimentos, crenças, funcionamento interior, autoconsciência, autoestima etc.
Proporcionar oportunidades para o conhecimento, a conversa e a desmistificação de problemas mentais é algo muito importante e necessário, principalmente em nossos dias em que o ritmo de vida cada vez mais acelerado, o aumento de pressões sociais e profissionais, os modos de vida quase sempre centrados na solidão, nas distrações digitais, no individualismo e na competitividade exacerbada é a realidade da grande maioria das pessoas. Observamos ainda que a capilarização das informações pelo acesso à tecnologia faz com que o próprio indivíduo se compare com todo tipo de situação diferenciada da sua própria realidade e muitas vezes se imponha pressões, metas e expectativas irreais para o seu momento de vida, sem que tenha desenvolvido forças pessoais para enfrentamento de um processo de crescimento e alcance dessas expectativas.
A problemática do suicídio tem que nos levar a pensar de forma estratégica em curto, médio e longo prazo.
Em curto prazo:
- Ensinar, instruir a população sobre as necessidades urgentes que o ser humano em sofrimento profundo apresenta: ser ouvido, compreendido, ajudado na sua dor e encaminhado a um profissional de saúde mental.
- Promover espaços para discussão do tema suicídio em escolas, universidades, empresas.
- Sensibilização da sociedade como um todo sobre as principais doenças mentais como depressão, transtornos ansiosos, burnout, transtorno bipolar e outros. Doenças essas comuns e democráticas em termos de cultura, nível social, idade, gênero, nacionalidade e que chegam aos primeiros lugares dos índices da OMS nos dias atuais.
- Proporcionar a todos os níveis da população os cuidados psicológicos e não somente as medicações.
- Incluir na formação dos profissionais de saúde o conhecimento específico de ferramentas e estratégias para diagnosticar e perceber com maior rapidez o risco do suicídio e como preveni-lo.
- Cuidados e instrução para familiares de pessoas diagnosticadas com transtornos mentais.
Em médio e longo prazo, sabemos que a solução desse grave problema passa também pela educação e a formação do ser humano em uma visão integrativa e holística. Não restam mais dúvidas de que os componentes afetivo-emocionais devam ser vistos como fatores importantes na construção de um ser humano, podendo estimular ou inibir o processo de desenvolvimento de sua saúde mental. A escola e os educadores têm um papel primordial na formação e adequação da visão e prática da importância dessas outras competências, chamadas não cognitivas, para o desenvolvimento de uma mente saudável.
As habilidades socioemocionais podem ser naturalmente aprendidas no contexto de convivência do ser humano, da criança e do adolescente; no entanto, por interferências de diversos fatores, isso muitas vezes não se torna possível. Uma educação sistematizada e abrangente sobre as emoções, o funcionamento do cérebro, a integração de seus sistemas cognitivo e emocional e sobre formas de intervir e gerenciar sua mente, emoções e comportamentos são muito importantes para aprender a viver melhor em uma sociedade marcada pela velocidade das mudanças e pelos desafios socioeconômicos do nosso século.
Competências como resiliência, tolerância à frustração, acalmar-se e reagir com maior controle em momentos de alta tensão e estresse, proteger as emoções de estímulos externos crônicos vindos de situações familiares, sociais ou profissionais são essenciais para saúde emocional.
Promover a saúde significa não somente prevenir doenças ou estar satisfeito com a ausência da aparente doença, mas estimular, treinar, desenvolver o que pode trazer o melhor funcionamento do cérebro para contribuir na felicidade e no processo que conduz a uma vida com maior qualidade, satisfação e autonomia nas decisões e escolhas. Isso tudo, com certeza, terá como grande consequência a diminuição da morte por suicídio.
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